Bom dia!

Acordei e quis te dar “bom dia”. Cadê você?

Eu sabia que era coisa de uma noite, mas fiquei com vontade de demorar um pouco mais na sua vida. Queria uma coleção maior de lembranças suas além do seu gosto misturado a suor e cerveja. Queria ter outra vez a sensação das minhas mãos totalmente dedicadas e perfeitamente preenchidas pelas partes suas. Não acordei com a boca seca, apesar de todo o álcool. Acordei com a boca cheia d’água e minha língua se esforçando para reconstituir o gosto da sua língua e das suas carnes em minha boca.

Minha carne

ainda trêmula
esgotada
pede mais.

Eu

todo refém
dos teus mistérios
do teu quadril
das tuas magias.

Meu corpo

ainda respondendo aos seus estímulos
me cede mais um gozo
– agora sozinho.

Cadê você? Queria tanto te dar “bom dia”!

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Ufa!

Eu precisava tanto escrever, mas por vezes hesitei, disse que não me cabia. Mas que diachos de palavras oblíquas são essas? Isso me reduz ou isso me possibilita? Nem sei mais, talvez isso tenha saído só de algum delírio do adolescente meio pedante que eu fui. Só sei que eu precisava tanto escrever! Para descarregar, para registrar os dias, para botar pra fora e depois internalizar tudo de novo num exercício necessário de regurgitofagia. Mas já tinha se passado tanto tempo! Escrever não é andar de bicicleta, que nunca se esquece, escrever é exercício físico, se não se pratica, atrofia. E a página em branco dá medo, arrepio, calafrio… eu nem sei ainda que texto é esse, se tem nome, cara ou sentimento.

Adio mais uma vez ou sigo em frente? Mas eu precisava tanto escrever! Tantos e quantos textos abortados deixei pelo caminho. Enquanto encarava o nada pela janela do ônibus a caminho do trabalho, textos incríveis bolinavam minha mente e eu deixava ir. Ou ainda, bem quanto eu queria dormir, já contando as poucas horas de sono que teria, me vinha aquele texto maroto querendo brotar. Eu o perdia. Pior ainda, o bloco de notas do meu celular que um dia apagou pra nunca mais voltar a vida e consigo levou tanta coisinha que eu queria trabalhar, explorar e expandir. E aí que me dei conta, eu que precisava tanto escrever, já não escrevia.

Tive medo de me repetir.

Fazia tanta coisa e quando me rebelava, nada fazia. Fiquei tonto da rotina. Correria, acorda cedo, ônibus lotado, estresse às sete, corre pra casa, engole o almoço, ônibus lotado, hora não passa, bate o relógio, ônibus lotado, cai a noite e já é quase outro dia. A roda que roda, o looping dos dias. Passa semana, passa mês, mal vejo, salário na conta, felicidade rápida, acordacedopegaônibuslotado todo dia é o mesmo dia! O horror. Engolia o cansaço com cerveja e me permiti confundir felicidade com o brilho.

Tudo bem, estava sempre tudo bem e eu queria que não estivesse sempre tudo bem para eu poder gastar o mais profundo de mim. Agora aqui, revendo, percebo que nunca estive distraído. Relapso sim, mas talvez devesse ser assim. Não existe tempo perdido – eu dizia outro dia mesmo conversando com uma amiga. Estamos todos onde deveríamos estar. Hoje eu quis me demorar um pouco mais no desconforto. E eu que precisava tanto escrever, escrevi. Ufa! (que interjeição mais feia!)

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O melhor de mim

Eu não sei quando o melhor de nós passou a existir nesse mundo. Passei dias e dias pensando sobre isso e planejando um texto-ombro-amigo para descarregar tudo que me bagunçava a mente. Pensei em começar falando sobre como não demos certo, mas não queria falar de desamor porque não sinto nenhum lamento. E, para mim, esse papo de não dar certo também não existe, as pessoas ficam juntas o tempo que tem de ficar. Dá certo por um mês, três anos ou cinco décadas. Eu não sei por quanto tempo existimos como um só nesse mundo porque contar os dias sempre me foi uma tarefa difícil, mas sei o quanto fomos bons amantes, a companhia mais engraçada um para o outro e o porto-seguro que entende tudo num olhar. Isso me valeu. Isso me ajudou ser quem eu sou. Eu queria ter entendido tudo isso antes, mas sei que só foi possível entender agora porque é o jeito como sou agora. A gente teria sido tão maior se tivéssemos vivido juntos a melhor versão de nós. Divagações que eu nem me deveria dar trela para elas aqui na minha cabeça, mas eu tive vontade de ouvir aquele álbum da Cassia Eller e lembrei de você. Sem querer. Eu sei que são suposições quase constrangedoras e que eu também já abusei dos “mas”, eu só queria mesmo poder te ver mais de perto. Todo jogo me cansa e eu só queria as relações mais simples e menos engessadas. Que mal há se nos falamos pela última vez em 2006 ou 2007? Eu não quero ser escroto, não quero bagunçar nada. Que mal há? Esse gelo existe ou a gente finge que ele tá ali quando nos vemos no mercado ou no banco e nossos olhos se encontram na exata hora e tão logo desviamos o olhar para performar estranheza? Eu queria saber de você hoje. O que você tem ouvido? Sua angústia tá virando que outras coisas aí no seu cotidiano? Sei lá o que ficou pra trás de mim, de você e de nós, eu só queria é saber se você se sente hoje na melhor versão de você. Meu número ainda é o mesmo. O meu e-mail avisa quando chega o seu aniversário. Eu até finjo para mim mesmo que não sei mexer naquelas configurações e adio pro ano seguinte o esquecimento. Ele não vem.

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Neofilia

Eu me afogo em absurdos. Estar absurdado é o meu estado de graça porque são os absurdos que me alimentam. Cada absurdo é um novo mundo de perspectivas e descobertas. E pouco a pouco vou sabendo o quanto não sei, a ignorância me revolve e me absurda ainda mais. A cada novo espanto eu ganho mais vida, eu gosto mais da vida, eu passo a querer intensamente a vida e gasto a vida. No absurdo eu encontro a dúvida, que hoje já me é mais cara que a certeza. Amadurecer é se livrar de pretensões e é na liberdade onde me encontro muito mais.

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Pássaros feridos

Meu coração é ninho de pássaros feridos. Meu colo acalanta quem chega e em troca não tem coragem de pedir permanências. Nunca foi meu querer essa efemeridade do amor, mas se até a rocha se molda com a força das águas e do vento, que dirá o nosso amar.

Quando despertamos nossas potencialidades românticas naquele afã pulsante de querer viver uma vida inteira em alguns segundos, não nos damos conta que o coração é cousa frouxa. Até que apanha. Aí sim começa a tomar forma, ora parece pequeninho de tão apertado, ora parece imenso de tanto amor, maior ainda quando se transborda em lágrimas – de felicidade ou de tristeza, de raiva ou alegria.

Eu cresci mais do lado escuro do amor. Término, despedida, desencontro, desamor. Traição, diferença, desinteresse, decepção. Esquivei-me dos espinhos para não me transformar no amargo que rejeito e faço máxima questão de rejeitar, resguardando o que há de macio para quem ainda há de vir.

Vieram. Carinho, cafuné, candura, cosquinha. Mas também rebuliço, redenção, redemoinho, reminiscências. Eu sempre quis tudo por inteiro, não calava parte nenhuma, preferia o oposto, revirava, revivia, reiterava e reconstruía. Até chegar o dia do tchau, até mais, até breve. Uma vez – me lembro agora – foi só silêncio, pior que dizer adeus. Por tantas vezes eu me acovardei e, em vez de ponto final, preferia as reticências. Noutras eu me adiantei e poupei qualquer drama, saí primeiro como que se tivesse desprendimento.

Independente da circunstância, eu nunca lutei pelo amor. Porque só entendo o amor se for livre. Fluido, dinâmico, natural, arrebatador. Sei que não se mede o amor em tempo, mas se eu pudesse ter um pedido, apenas um, pediria que ficasse um pouquinho mais.

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Beijo

Eu lembro como se tivesse sido ontem à noite. Eu te querendo toda e sem saber como agir, escolhendo a canastrice como saída pra minha inabilidade com essas coisas do interesse romântico. Cantei uma música ao pé do seu ouvido, meu braço em volta do seu pescoço não te deixava muitas alternativas. Foi aí que seu sorriso se abriu perto do meu. Bem perto do meu, quase que não pude ver, mas sentia as maçãs do seu rosto se suspendendo perto das maças do meu rosto que também se contraíam e os seus dentes bem perto dos meus – mergulhei no teu beijo.

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Que nome tem?

Apagava os seus rastros por onde passava, como quem pudesse começar uma nova vida a qualquer momento. Ela não tinha apegos e fazia questão de não ter história. Falava muito sobre tudo, falava bem, possuía argumentos bonitos como se não tivesse vivido as mais terríveis decepções. Não falava de si. Ou se falava, era muito pouco, sempre de maneira dispersa e evasiva, mas igualmente convincente. Um dia a encontrei onde eu não esperava e quis lhe dar um abraço, sorrir e dizer coisas bonitas, mas não pude. Ela não me reconheceu, não quis me reconhecer, não me esperava ali enxergando-a cheia dos seus adornos ou alguma coisa assim. Talvez tudo isso junto. Ela não me reconheceu. Eu entendi. O contexto e a história entre mim e ela era outro e eu não fazia parte daquela história que ela vivia ali. Eu a entendi e sorri mesmo assim, meio que de longe, da maneira mais discreta possível. Ninguém entendeu eu tentar intimidade com aquela que me esnobou, mas eu entendi. Eu rememorei e desejei profundamente reviver o fascínio de antes. Tolice minha, eu sei. Depois do dia fatídico eu nunca mais a vi, e se vi foi como se não tivesse visto, respeitei sua decisão. Sou ouvido de muitas histórias, mas essa me foi contada sem uma palavra sequer, o olhar evasivo me disse tudo naquele dia. Só quem nos vira perdidos e sem destino certo naquela noite sabe do amor inato que descobrimos ali. Uma felicidade dilacerante nos atingia como quando crianças descobrindo o primeiro gozo. Com ela tudo me pareceu ser estreia. Que nome tem?

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