Sonso

Fim de domingo, ouço Elis cantando Aos Nossos Filhos, seguida por Atrás da Porta e depois nem sei mais, me afoguei nos pensamentos e divaguei. Eu estou buscando a tristeza, percebi. Queria a melancolia de antes, as dores de amor, a mágoa lancinante de mais uma paixãozinha abortada. Mas nada disso, não resta nada e me chateia não encontrar mais a tristeza. Não me encontrar no estado de graça e inspiração que somente a tristeza pode nos colocar. Eu não pedi, tampouco planejei, mas talvez seja um movimento involuntário de defesa e livramento, coisa metafísica mesmo, que me coloca assim chateado enquanto estado máximo que consigo chegar quando busco por um pouquinho de tristeza. É que sei, vejo e entendo, que tristeza não tem andado pro aí de pouquinho não, só vem enorme, avassaladora e voraz. Então que seja. Então tudo bem, eu sei ser sonso e vou aqui forjar um cadinho de tristeza para fazer minhas coisinhas: ouvir mais um disco dolorido, rabiscar um texto, ler todos meus autores mais complexos, prolixos e tristes. Penso muito em Caio e seu dragão. Não, ele não tem um dragão. O que seria de Caio nesse mundo de agora? E de Clarice!? Que livramento eles tiveram! Atônitos estariam. Meus ouvidos voltaram a dar atenção ao som que faz presença no ambiente: as aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões. Talvez o inverno… Talvez o invento me traga alguma pontinha de tristeza e eu até lembre como é que é chorar. E aí então, mais lúcido, menos sonso, eu sorriria de verdade. Mas tudo bem. Tudo bem…

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Ufa!

Eu precisava tanto escrever, mas por vezes hesitei, disse que não me cabia. Mas que diachos de palavras oblíquas são essas? Isso me reduz ou isso me possibilita? Nem sei mais, talvez isso tenha saído só de algum delírio do adolescente meio pedante que eu fui. Só sei que eu precisava tanto escrever! Para descarregar, para registrar os dias, para botar pra fora e depois internalizar tudo de novo num exercício necessário de regurgitofagia. Mas já tinha se passado tanto tempo! Escrever não é andar de bicicleta, que nunca se esquece, escrever é exercício físico, se não se pratica, atrofia. E a página em branco dá medo, arrepio, calafrio… eu nem sei ainda que texto é esse, se tem nome, cara ou sentimento.

Adio mais uma vez ou sigo em frente? Mas eu precisava tanto escrever! Tantos e quantos textos abortados deixei pelo caminho. Enquanto encarava o nada pela janela do ônibus a caminho do trabalho, textos incríveis bolinavam minha mente e eu deixava ir. Ou ainda, bem quanto eu queria dormir, já contando as poucas horas de sono que teria, me vinha aquele texto maroto querendo brotar. Eu o perdia. Pior ainda, o bloco de notas do meu celular que um dia apagou pra nunca mais voltar a vida e consigo levou tanta coisinha que eu queria trabalhar, explorar e expandir. E aí que me dei conta, eu que precisava tanto escrever, já não escrevia.

Tive medo de me repetir.

Fazia tanta coisa e quando me rebelava, nada fazia. Fiquei tonto da rotina. Correria, acorda cedo, ônibus lotado, estresse às sete, corre pra casa, engole o almoço, ônibus lotado, hora não passa, bate o relógio, ônibus lotado, cai a noite e já é quase outro dia. A roda que roda, o looping dos dias. Passa semana, passa mês, mal vejo, salário na conta, felicidade rápida, acordacedopegaônibuslotado todo dia é o mesmo dia! O horror. Engolia o cansaço com cerveja e me permiti confundir felicidade com o brilho.

Tudo bem, estava sempre tudo bem e eu queria que não estivesse sempre tudo bem para eu poder gastar o mais profundo de mim. Agora aqui, revendo, percebo que nunca estive distraído. Relapso sim, mas talvez devesse ser assim. Não existe tempo perdido – eu dizia outro dia mesmo conversando com uma amiga. Estamos todos onde deveríamos estar. Hoje eu quis me demorar um pouco mais no desconforto. E eu que precisava tanto escrever, escrevi. Ufa! (que interjeição mais feia!)

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28

Estive longe. Longe por querer e também por necessidade. Longe do meu eu mais denso, do mundo confuso que por tanto tempo cultivei e hoje se mantém por teimosia em estado de latência em mim. Mas quando a vida parece por demais outra vida que não a minha idealizada, quando todos parecem lobotomizados pagadores de conta, não tenho outra opção e me volto a mim. Flerto com a loucura, encho a cara, planejo fugas reais, penso, penso e penso. Noites inteiras de ideias e planos, poucas horas de sono, olheiras marcando o rosto e um estrangeirismo nítido no sorriso cordial e automático de bom dia aos colegas de trabalho, que em dias como os de agora parecem todos insuportáveis. Gente de mentira vivendo vidas de mentira e cumprindo punições por violarem regras de mentira. Casamentos infelizes compensados com descontrole financeiro, vejo todo dia. Uma tá buscando por todo o tempo alguma forma de autopunição por quebrar as regras que o mundo a impõe. Está todo dia triste comendo aveia pra tentar caber num 38. Parece seguir o Evangelho da Granola, quer converter todos ao seu redor. Porre. Ficou chata. A outra passa o dia fazendo marketing pessoal e do casamento no Facebook. Faz tudo parecer perfeito, tira foto do macarrão que fez na janta, “100 dias felizes”, declarações de amor copiadas de algum site de mensagens mal feito com layout de 2004. Chata. Um dia ficou bêbada no happy hour e soltou que o marido não transa mais com ela. Para que então tanta declaração? Eu não sei me encaixar e nem fingir que acho tudo isso legal. Penso, penso, penso. Planejo fugas reais. Ouço Belchior e Sérgio Sampaio. Encontro respostas e esperanças. Dois loucos. Meus gurus nesses tempos tão hostis. Ainda tem todo o emaranhado político lá de Brasília, da capital e daqui. Querem minha opinião, estou farto e queria estar por fora. Que maravilha deve ser exercitar a indiferença. Conheci uma menina. A gente se admira e ela é bonita. Também leu Caio Fernando Abreu. Sorrimos quando sem perceber eu lancei uma referência e ela entendeu. Fora isso, vivemos n’outra sintonia. Ela está virando gente grande, o salário multiplicou nos últimos anos e agora ela quer ser fina. Jantar em restaurante caro, roupa de grife, viagem internacional, tudo importado. Eu quero ser bagaceiro. Viajar pra Manaus, tomar cerveja nacional, bater perna pesquisando preço e ir pra feira comer pastel. Descobri que amo ir pra feira. Pechinchar o preço da batata-salsa, pedir um pedaço do queijo pra ver se levo ou não, 4 caixas de morangos por 10 reais: felicidade! Fiz 28 e nada mudou do dia pra noite, mas Saturno tá retornando. Passei o ano procrastinando meus estudos de tarô, mas li tudo que encontrei de Manuel Bandeira. Não comentei com ninguém, não houve com quem. Revi meus amores. Dei outros fins a eles. Dormi menos de 4 horas e o relógio já despertou me mandando ir trabalhar. Sento na cama, esfrego os olhos, faço o em-nome-do-pai e peço em oração: “fora Temer, volta Blchior!”

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