Sonso

Fim de domingo, ouço Elis cantando Aos Nossos Filhos, seguida por Atrás da Porta e depois nem sei mais, me afoguei nos pensamentos e divaguei. Eu estou buscando a tristeza, percebi. Queria a melancolia de antes, as dores de amor, a mágoa lancinante de mais uma paixãozinha abortada. Mas nada disso, não resta nada e me chateia não encontrar mais a tristeza. Não me encontrar no estado de graça e inspiração que somente a tristeza pode nos colocar. Eu não pedi, tampouco planejei, mas talvez seja um movimento involuntário de defesa e livramento, coisa metafísica mesmo, que me coloca assim chateado enquanto estado máximo que consigo chegar quando busco por um pouquinho de tristeza. É que sei, vejo e entendo, que tristeza não tem andado pro aí de pouquinho não, só vem enorme, avassaladora e voraz. Então que seja. Então tudo bem, eu sei ser sonso e vou aqui forjar um cadinho de tristeza para fazer minhas coisinhas: ouvir mais um disco dolorido, rabiscar um texto, ler todos meus autores mais complexos, prolixos e tristes. Penso muito em Caio e seu dragão. Não, ele não tem um dragão. O que seria de Caio nesse mundo de agora? E de Clarice!? Que livramento eles tiveram! Atônitos estariam. Meus ouvidos voltaram a dar atenção ao som que faz presença no ambiente: as aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões. Talvez o inverno… Talvez o invento me traga alguma pontinha de tristeza e eu até lembre como é que é chorar. E aí então, mais lúcido, menos sonso, eu sorriria de verdade. Mas tudo bem. Tudo bem…

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Celofane

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Porque ouvir Sérgio Sampaio exige um troço etílico. Cerveja talvez, conhaque com certeza. Às vezes eu peco na mania de legitimar as pessoas pelos artistas que elas ouvem. Não basta conhecer, saber o nome eu sei de muita gente e isso não é nada. Sei até do timbre, sei meia dúzia de músicas e isso não é ouvir. Estou falando é de colocar pra tocar e sofrer junto com o cara ali cantando, saber do acorde dor-delícia, aquele que saiu pelo esforço, auge da angústia. E eu não quero saber se na segunda-feira nossos excessos são maiores, meus pecados não se agravam pelos dias da semana. Encho a cara sábado ou segunda, sem problemas, também sei fuder legal às dez da manhã ou dez da noite, não vai ser um calendário ou relógio a me condicionar ou condenar. Eu tenho medo de parar de beijar na boca. Não estou falando de solidão, nem de fissura ou hiatos na vida afetiva, estou é reclamando que hoje em dia parece que o que mais importa é ver meu pau duro. Eu gosto de beijo na boca. Ereção tenho até quando estou com vontade de mijar, isso não é o mais importante, não tem nada de tão especial assim. Ereção é ordinária. Não, não é papo de brocha, tenho minhas funções todas bem reguladas, só queria mais sutileza, menos furor para que haja mais deleite. Língua roçando na língua, mão rolando pelo corpo, mente longe, os pés fora do chão, carne trêmula de prazer e meu sexo ali, rígido sim, pronto sim, mas usado só quando for a hora, depois de explorados todos os meus sentidos. Sexo é isso, o resto é trepadinha pra gozar antes do miojo ficar pronto. E o que eu quero é mais. Eu gosto quando é mais. Não que uma boa foda rápida não tenha seu valor, há dias que é isso o que mais quero, que é isso o conveniente, mas não é pra sempre, não deve ser a constante. Eu acho que a gente anda perdendo o tino. E essa coisa agora de shows de holograma? Velho, que loucura, que vergonha! Acho meio bizarro o defunto ali no palco, vivo pela tecnologia ainda meio falha. Até brincadeira do copo é mais legal, gira no terreiro é mais vivaz. Mas, penso, deliro, entrar num boteco daqueles de luz baixa que não tem hora pra fechar e dar de cara com Sérgio Sampaio sentado num sofá velho dedilhando em seu violão as notas de Maiúsculo.

“Tenho meus vícios
Vivem dentro de mim esses bichos
São o pai e a mãe dos meus lixos
E às vezes me levam de mal a pior
Pergunto quem
Não sabe disso
Os momentos em que a vida não tem dó

Solto meus bichos
Pelas músicas quando me aflijo
Mas um homem sem esse feitiço
E sem um carinho a que recorrer
Pode matar
Querer correr
Pois perdeu todo sentido de viver”

Bicho, que doideira seria. Sei nem mensurar. Ia correr dali quando amanhecesse, botar meu bloco na rua e pirar de vez. Nem sei mais onde guardei minha loucura, mal sei o que ainda me segura nessa vida de homem direito responsável com os prazos do trabalho e com o horário rígido do emprego que me faz dormir na madrugada, justas horas mais prazerosas de estar acordado. É de madrugada que sou profícuo, na madruga que bem me encaixo. Temperatura, cheiro, clima, energia, papo fluido, riso solto e brisa boa, isso tudo, meu bem, só a madrugada traz. Carrego um monte de saudades. Sei ser mais leve se for madrugada. Não rola angústia e se falo em mágoa é só pra usar como álibi pra mais um copo, mais uma dose, a terceira saideira. Tenho poucas vaidades. Gosto de conhecer artistas antes da fama, dá um orgulho besta, sabe? Eu não vou me culpar, não por isso. Eu quase não tenho remorsos. Nem mesmo quando dou tchau. Precipitadamente eu dou tchau e isso é puro medo. Não agora, não aqui. Eu estou com saudade de ver o mar. Volta Redonda tem céu cinza, no horizonte tem chaminés da CSN e eu até que gosto da poluição que no fim das tardes de verão fazem o céu escurecer colorido, mas saudade eu tenho é do mar. Eu frequento ambientes à meia-luz. Eu sou dos prazeres. Eu me deixo cair em tentação.

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