Cartas para minha mãe. Um.

Eu te perdi e ainda nem sei o quanto mesmo eu perdi. Todo dia eu descubro um pouco mais a dimensão da minha perda… a melhor rabanada do mundo. O amor mais profundo que já experimentei. Meu melhor dueto cantando seresta, Jovem Guarda, Maria Bethânia e outras coisas mais. Perdi a pessoa que mais me compreendeu e me respeitou nessa vida. Perdi meu maior exemplo de compreensão, compaixão e solidariedade.

E todas as nossas festas? Tudo virava festa! Algumas já compunham nosso calendário anual de grandes comemorações. Não foi fácil passar o último 23 de abril. Lembrei tanto da sua alegria acordando cedo e já correndo pro fogão cheio de panela para a feijoada de São Jorge. Eu implicava, me divertia colocando pra tocar no som um ponto de Ogum. A senhora sorria e dizia que tudo bem, a feijoada era pra Ogum também. Seguíamos o dia, cozinhando, recebendo gente, tomando cerveja, ouvindo música e criando memórias. No último ano não teve.

Fogão fechado.

Casa vazia.

Tudo em silêncio.

Veio o mês de junho e nada mudou na minha dor. Eu pedi tanto para o tempo ser meu amigo nessa. Eu não sei bem o que o tempo tem feito comigo ou então qual é o seu propósito, mas a saudade me dilacera mais um mês e parece cada dia maior e mais profunda. Há um buraco no meu peito. Eu estou assustado e mais ansioso. Mais uma data de casa vazia, fogão fechado e silêncio. Viva São João.

Eu sei que a senhora jamais ia me querer triste. Aceitei me reunir em família. Na parede estavam os estandartes de Santo Antônio, São João e São Pedro. Aqueles que eu mesmo confeccionei anos atrás e a senhora gostava tanto! Andamos tanto para comprar os materiais e eles estiveram tantas vezes colorindo e abençoando nossa festa junina que tenho apego e muito por esses três estandartes, mas agora até os santos católicos parecem ter um olhar perdido sem sua presença aqui.

Como era… como foi… nunca mais. E me dói muito pensar que nunca mais.

Nunca mais.

Um sonho assombroso me atormentou muito nos últimos meses. Eu sonhava que tinha te perdido e, no final do sonho, me dava conta que era sonho e ficava feliz que era sonho. Sonho dentro do sonho. Acordava atônito e confuso, demorava um pouco pra entender que foi tudo um sonho, mas o sonho também era como a realidade: a perda. A dor. Eu não sabia que eu era capaz de chorar tanto, pensava estar seco. Errei. Errei em um monte de coisas, mas me consola estarmos juntos até o fim com carinho e amor expressos em verbo, gestos, sorrisos e companhia.

Nem todos os dias são ruins, mas todos os dias são sem a senhora aqui. Eu vou seguir. De algum jeito eu vou seguir.

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