Por misericórdia

Eu sempre usei a escrita para tirar de mim incômodos. Nem sempre ruins, vários deles bons também. Escrever, para mim, sempre foi extravasar. Depois, me alimentar. Regurgitofagia. E eu parei de escrever. Por mil coisas da vida corrida e blá blá blá, mas também por excesso de zelo com minha intimidade. Eu já disse que deixei de escrever por não saber como escrever aos 30, mas é mentira. Parei porque já não tinha mais como seguir com palavras oblíquas no meu ritual de extravasamento. Penso, agora, que não há como ser legítimo com medo de se expor. Eu tenho excesso de zelo pela minha intimidade. Nesta difícil equação, a conta não fechou. Sacrifiquei minhas palavras. Hoje já não tenho nenhuma intimidade com elas, desaprendi seus caminhos, mas volto porque preciso. Volto porque já não me distraem as velhas distrações e nem consigo mais fingir normalidade na calçada lotada das ruas de comércio popular. Sinto que quem me vê na mesa do bar percebe em mim a estranheza de tantos textos abortados nos últimos anos, a estranheza pelo tanto que eu deixei de dizer para tentar me poupar do que eu sou. Estive esses dias revirando meus papéis. Em meu bloco de notas achei um grito de socorro até então ignorado: eu não consigo mais ser ameno.

Na verdade, eu não posso mais ser ameno.

Eu voltei.

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