A morte

Eu sinto a morte só depois. A morte é um sentimento que ainda não amadureceu em mim. Eu não me orgulho, mas já a entendo mais que ontem, ela já me aplaca mais que antes. Nunca na hora, eu sinto mesmo a morte é depois.

Quando uma lembrança me toma de surpresa e me dou conta que a morte é a perda da presença. A morte é a subtração da experiência e que só me restam lembranças do que foi vivido. Não tem querer, a morte é imperativa.

Outro dia encontrei com a morte em uns guardados numa pasta. Papéis que eu nem lembrava que existiam me trouxeram a troca de afeto em letras de adolescente apaixonado. A morte não interrompeu a paixão, mas me levou a relação de riso fácil e confissões. Na hora dela eu senti só o susto, o amargo veio depois.

É como se eu não entendesse a morte de imediato. Preciso de meses, um ano, até cinco, para ter na boca o fel do beijo gélido da morte. Sempre em despedida. E passa. Mas também volta, fica em ronda sobre nossas escombros esperando por um vacilo nosso na intenção de uma lembrança dolorida. Sorrateira.

Ó morte, seja dócil, adormeça sob minhas lembranças, deixe-me esquecer tudo que me substraíste! Se eu ainda peno para entender-te, amansa-te, me deixe ser mais um tempo menino.

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