1972

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Sonho com a liberdade setentista. Uma liberdade onde nossas escolhas não sejam pautadas pelo medo. Medo do câncer, medo de obesidade, medo da maldita, medo dos radicais livres, medo do inferno, medo da morte, medo do instável, medo do medo. Eu tenho medo da falta de coragem, do impulso falhar bem na hora de saltar, de morrer assim do nada e ficar tudo em reticências, sem glórias, sem um filho no mundo.

Eu admiro quem é desprendido, verdadeira e fielmente solto ao vento, de pés de algodão e livre. Livre de picuinhas, livre dos detalhes, do raciocínio inquietante, do engasgo indignado, da sofreguidão. Não entendo as tolerâncias do cotidiano, a paciência que permeia as relações reais e virtuais no nosso tempo. Não a disponho, não encontro a fluidez, sobra-me escárnio ou lamentação. Eu nunca fui de dramas.

Eu acho bonito quem ama sem medo. Eu acho feio quem nunca aprendeu a ser sozinho. O sexo adolescente tem um cheiro inesquecível, gostoso e mais afrodisíaco, é diferente do cheiro do sexo aos quase 30, que é uma trepada preocupada, falta entrega e falta instinto. Tem gente que trepa pensando como vai contar aquilo depois, porque parece, hoje em dia, que as coisas só se tornam verdadeiras quando compartilhadas. As pessoas expõem suas vidas numa tentativa quase desesperada de validarem suas emoções, suas relações e seus afetos. Eu gosto de segredos e mistérios, não como escudo ou arma, mas como fetiche. Nunca entendem assim.

Gosto de plantas, já plantei mais de dúzias delas, tenho espada-de-são-jorge e comigo-ninguém-pode na entrada de casa. Gosto de batuque e de silêncio, não é preciso se contradizer ao admirar elementos que se opõe. Também não é preciso atacar a fé de ninguém para sustentar suas crenças, pouca gente sabe disso, tenho a impressão que cada vez menos gente saiba. Tenho medo de crente. Tenho medo de feudalismo. Não gosto de tomate cru. Queria ter visto o verão da lata, lançaram um livro sobre isto, talvez eu leia. Eu ainda sonho com uma liberdade setentista.

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6 comentários sobre “1972

  1. Marcelo Rezende disse:

    Eu gosto dessa liberdade justamente porque tento exercê-la. Mas pra tudo que é muito genuíno, sempre tem uma represália. Gosto da liberdade e gosto de compartilhar. Os mistérios, pra mim, funcionam de uma outra maneira. Mas é assim mesmo, fetiche cabe na cabeça de cada um.

    Mas o argumento de que as emoções só tem sido válidas com plateia, achei genial. Porque é meio isso mesmo. Hoje, pra ser feliz, tem que ter testemunha. É delito gravíssimmo sem condição a fiança. A depressão e a tristeza viraram moda e ninguém mais sabe curtir uma fossa. Já querem logo se matar.

    Tá tudo tão chato, que ler um texto leve desse salva o dia.
    Beijo, Darlan.

  2. Darlan, você conseguiu descrever muito bem o que se passa na sua cabeça, de forma tão detalhada e específica que consigo me ver em boa parte disso, no quesito concordar com você em muitos aspectos, de trepadas adolescentes à aprender a ser sozinho, crenças e etc. Gostei bastante, to voltando ao blogspot e me deparo com um texto desse que até me inspira. Abraços!

  3. “(…) não é preciso se contradizer ao admirar elementos que se opõe”. é isso! é isso! obrigado por falar.
    quanto ao texto, excelente! você discutiu exatamente o que fala Zygmunt Bauman. para ele são necessárias duas coisas: liberdade e segurança. o desafio está em encontrar um equilíbrio para os dois.

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